quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"Destino Traçado" (parte 2)

Os primeiros transeuntes a passarem por ele com as suas conversas matinais e as primeiras buzinadelas dos carros, fizeram-no acordar e despertar para a vida. Vida. Poderia ele definir a sua presença neste mundo como vida. Era difícil responder que sim. Sozinho, sem amigos e objectivos, carregando o fardo do abandono da sua família, que o esmaga cada vez mais a cada dia que passa. Por várias vezes pensou e esteve à beira de terminar com a sua própria existência, mas no momento crucial da decisão, nunca conseguiu ter coragem para tal. E pensava no cobarde que era por não o conseguir, quando teve coragem de tomar a decisão de abandonar as mulheres que tanto amava, e que, ainda hoje ama. Não havia um único dia em que não pensasse nelas. Estariam elas bem? Teria a sua mulher procurado o amor, carinho, segurança, afecto, nos braços protectores de outro homem que nunca a abandonaria? Como seria a sua filha, hoje com dezoito anos? Recordar-se-ia ela que foi deixada nos braços solitários da mãe, devido á sua cobardia? Ou teria para sempre caído no esquecimento de ambas?

Levantou-se. Escondeu o cobertor e as paredes da sua frágil e desmontável casa atrás daquele caixote do lixo que já ninguém usava, e contemplou o corrupio de pessoas e carros que já enchiam as ruas, com os seus olhos de um verde baço outrora brilhantes de alegria, todos passando por ele, sem sequer notando a sua presença, fazendo-o sentir-se como se fosse apenas uma sombra. Meteu a mão no bolso do casaco e tirou de lá metade de uma sandes que tinha encontrado dois dias antes. Tinha que racionar o que encontrava, ou lhe davam para comer, pois muitos já tinham sido os dias em que a única coisa que ingeria era a água do bebedouro do jardim público. A fome é uma constante na sua nova ‘vida’. Fome e lutas. Era inevitável que, de vez em quando, ele e outros como ele se envolvessem em lutas por um pedaço de comida, ou pelo melhor abrigo, ou por uma peça de roupa abandonada ou esquecida, ou até mesmo por defesa de um território que julgam ser seu. Apesar daquela cidade ser bastante grande e populosa, os ‘sem-abrigo’ rapidamente se moviam de um ponto para o outro e se encontravam.

Chegou àquela cidade depois de um longo percurso. Após fugir de casa, conduziu o carro até ficar com o depósito completamente seco. Quando o motor finalmente cedeu à sede, andou, abandonando também desta forma o seu companheiro de viagens que tinha desde os tempos da escola, andou até chegar a uma pequena localidade, a cerca de 5Kms de onde deixou o carro, onde passou o que restava da noite numa pequena e pestilenta pensão. No dia seguinte dirigiu-se até à estação e comprou o bilhete de autocarro para o local mais longínquo que o seu dinheiro lhe permitia. Fez a viagem de mais de seis horas em completo silêncio, não conseguindo limpar a culpa que lhe invadia a mente, acerca do que tinha feito no dia anterior. Chegando ao seu novo destino, aquela que viria a ser a sua nova ‘casa’, saiu do autocarro e caminhou em direcção incerta, indo para onde o vento empurrava as folhas, como se dançassem ao ritmo dos acordes de uma música inaudível. Caminhou até encontrar um jardim, um jardim enorme, todo rodeado por árvores frondosas e imponentes que pareciam fazer cócegas no céu. Flores de todas as cores e aromas preenchiam os espaços entre os caminhos de terra, ladeados por um ou outro banco de madeira, repouso para quem por ali vagueava. Um lago bem ao centro do jardim, era palco das peripécias de meia dúzia de patos, e das corridas dos muitos peixes que por ali circulavam, quais formigas a cuidar do seu formigueiro. Todas aquelas cores vivas e limpas contrastavam com o cinzento da sua alma. Toda a grandiosidade daquele local contrastava com o minúsculo do seu coração. Decidiu mesmo assim, e apesar dos sentimentos paradoxais que sentia em relação a ele e aquele belo jardim, que seria ali que finalmente estacionaria o seu corpo cansado e a sua mente exausta. A primeira noite foi difícil. Habituado ao conforto da sua cama e ao calor gerado pelos lençóis e pelo corpo da sua mulher, praticamente não dormiu e rapidamente constatou que teria de arranjar solução para se proteger da impiedosa noite.


(continua...)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

"Destino Traçado" (parte 1)

A noite vai longa, fria e chuvosa. Pela enésima vez, ele tenta em vão cobrir todo o seu corpo com o pequeno cobertor que dispõe. Dá outro retoque nas folhas de cartão que o rodeiam. É certo que não são uma parede de tijolo, e embora a água teime em passar por baixo delas, com a ameaça constante de o molhar, e as luzes dos candeeiros atravessem todas as frestas daquele castelo improvisado, a verdade é que desta forma sempre tem um abrigo e evita de se deitar nas pedras geladas e irregulares da calçada.

Faz hoje precisamente dezasseis anos que festejou o segundo aniversário da filha, em sua casa. Faz hoje precisamente dezasseis anos que a abandonou. A ela e à sua mulher, companheira de oito anos de vida, três dos quais casados. Tem quarenta e três anos, mas à muito que os deixou de contar. Vive e dorme na rua, hoje sua casa. A barba cresce-lhe, escura e suja, pescoço abaixo, tendo até a boca sido completamente tapada pelo espesso e desalinhado bigode. Parece quase que nem a tem, e em boa verdade, pouco uso faz dela, a não ser para balbuciar alguns sons quando mendiga uns trocos para o tabaco (seu único vicio), ou para quando encontra algum resto de comida num caixote do lixo nas traseiras de um qualquer restaurante. Os banhos são raros, mas as suas narinas, impregnadas pelo seu próprio cheiro, já não se queixam, e só se apercebe do odor que emana quando, próximo das ditas pessoas normais, as vê engelhar o nariz em sinal de repulsa.

Mas também ele já pertenceu à classes dos ‘normais’. Cara limpa, sedosa e com aroma a after-shave, banhos todas as manhãs antes de ir para o emprego, ir jantar ou almoçar ao restaurante, só porque não havia vontade de cozinhar, e deixar comida no prato a estragar. Agora que sente na pele a fome, reconforta-se deste desperdício que fazia, fazendo-se acreditar que apesar de tudo, estaria a alimentar alguém que estivesse na mesma situação em que ele agora está. Teria essa pessoa arranjado uma solução para o seu problema? Não o podia saber, apenas sabia que passados dezasseis anos, ainda não tinha uma solução para o dele.

Decidiu sair de casa quando (sair não, fugir!) não conseguiu oferecer à sua filha aquele presente que ela tanto gostava de ver aparecer no ecrã da televisão, e apenas lhe ofereceu um pequeno urso de peluche comprado, já em desespero de causa, numa qualquer loja de esquina. Decidiu fugir quando constatou que passados dois anos, a sua filha ainda não tinha um quarto totalmente mobilado, as roupas enchiam três ou quatro gavetas e havia pouco mais de uma dúzia de brinquedos espalhados pelo chão de casa. Fugiu por pensar que nunca seria capaz de dar àquelas pessoas que tanto amava, aquilo que mereciam. Verdade seja dita, o dinheiro nunca abundou entre eles, e o pouco que iam juntando era para um eventual imprevisto. Imprevisto esse que surgiu no dia em que a sua mulher engravidou. Apesar de todas as contrariedades financeiras e depois de muito debate sobre o assunto, decidiram ir em frente com a gravidez, pois no final tudo se resolveria a pouco e pouco. Afinal sempre tinha sido assim, e sendo boas pessoas, acreditavam que certamente alguém lá em cima estaria a olhar por eles. Mas após o nascimento do bebé as coisas não melhoraram, e apesar de não faltar comida na mesa, tinham que se sacrificar noutros aspectos.

Foram estes os motivos que o fizeram naquela noite, beijar a sua mulher nos lábios com um beijo tão apaixonado, tão delicado, tão profundo, como se fosse a ultima vez que a iria beijar, e mentir-lhe logo de seguida dizendo que só ia buscar uma segunda prenda à garagem. Mas ao chegar á garagem, entrou de imediato no carro e desabou em lágrimas. Chorou por tudo o que não tinha conseguido fazer, chorou pelo que iria fazer, chorou pela mentira contada minutos atrás, chorou pela sua filha e chorou porque aquele tinha mesmo sido o último beijo. E foi com os olhos ainda banhados de lágrimas, que desapareceu noite dentro, sem nunca olhar para trás.

(Continua...)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Novo projecto

Fui-me apercebendo à medida que ia escrevendo sobre isto e sobre aquilo, basicamente sobre tudo e sobre nada, que estava a vir ao de cima, algo que durante algum tempo esteve adormecido em mim... A paixão pela escrita!
Quem me conhece bem, sabe que adoro escrever, e que ainda alimento o sonho de um dia publicar mais do que um simples Blog com os meus devaneios mentais.
Por isso não foi com admiração nenhuma para mim, que começou a surgir na minha mente, fragmentos de uma história fictícia, história essa que estou a escrever e que irei postar aqui, dividida em partes, para não ser muito 'maçuda' a leitura e para criar algum interesse nas pessoas que cá vêm (acho que ainda cá vem alguém de vez em quando) em seguirem a história e até se interrogarem sobre como terminará.

Dito isto. será este o novo projecto do meu Blog. Pequenas histórias, que se possam ou não assemelhar à realidade (mas todas de ficção), escritas por mim. Continuarei com as minhas dissertações sobre este ou aquele assunto que eu acha que deva "filosofar" ou sobre situações, pessoas, coisas que mereçam uma opinião mais critica (positiva ou negativa), como foram os Posts anteriores.

Está para breve a primeira história, que acredito, tocará nos corações de quem a ler.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Serás tu ou serás outro?

Máscaras! Vejo-as em todo o lado e em toda a gente! Vejo-as por onde passo e por onde paro. Vejo-as nos vendedores com a promessa do melhor produto, vejo-as nos políticos com a promessa de melhor futuro, vejo-as nos patrões com promessas de melhores ordenados, vejo-as nos vizinhos que saem dos seus carros topo de gama com um sorriso enorme, mas que se esqueceram que aquele fato já está sem cor de tantos anos de uso, vejo-as até quando olho para um espelho e surge a minha imagem!

Sim, não sou hipócrita ao ponto de dizer que não uso máscaras no meu dia a dia. Todos as usamos! Mas estas máscaras não são de Carnaval, são antes umas bem mais difíceis de se distinguirem do rosto da pessoa. São as mascaras que usamos para camuflar algo de mau (ás vezes algo de bom), ou para nos fazermos passar por quem não somos, para mostrar uma imagem que na realidade não é a nossa.

Uso máscaras. Principalmente uso para me proteger dos outros, da sua maldade, da sua vontade e quase necessidade de prejudicar ou ver o próximo na ‘mó de baixo’. Uso-a para transmitir que está tudo bem quando na realidade tenho a alma destroçada, uso-a para não ter que falar dos meus problemas aos outros, como se simplesmente não os tivesse, uso-a para ninguém se aperceber que a minha vida é mais danificada do que a beleza que possa transparecer.

Mas há quem as use de forma bem diferente (chegando a ser uma forma maliciosa), para não mostrar a sua verdadeira identidade, tentando passar a imagem de alguém superior, alguém que é melhor que os outros, alguém que não são. Vive-se numa época em que o mundo se rege por modas e costumes, associados a imagens de felicidade e riqueza que poucos podem usufruir. É ver-se na televisão anúncios àquele perfume de marca estrangeira, àquela roupa que os famosos usam, àquele carro topo de gama, àquela casa na melhor zona da cidade, e logo a seguir as muitas empresas de créditos e os bancos cheios de facilidades (se ao menos tivesse lido as letras pequenas, perceberia que não era assim tão fácil), que nos fazem acreditar que é possível adquirir tudo isto! Todos eles põem a sua máscara mais sorridente e tentam vender-nos uma imagem de vida que todos sonhamos ter.

E acabamos por querer viver essa vida de sonho, viver esta imagem tantas vezes supérflua, fútil, até mesmo destruidora para quem não se apercebe a tempo dela. Existe até quem, viva tanto tempo com a sua máscara que esta se torna uma segunda pele, da qual dificilmente se conseguem dissociar. Acabam por viver em função de uma inveja quase mesquinha, de ter o mesmo ou algo melhor que o seu “vizinho”. Vivem em função de um sonho que não é o deles, esquecendo os seus próprios e os objectivos traçados. Será mais fácil viver o sonho de outra pessoa do que tentar viver o nosso? Será mais fácil imitar o que outros fazem, do que termos consciência do que nos faria feliz? Será mais fácil acreditar que a nossa felicidade está naquilo que faz os outros felizes? Certamente será, mas também certamente não teremos uma vida a que possamos realmente chamar de nossa.

A felicidade não está em termos o que o nosso semelhante tem, nem tão pouco em termos tudo aquilo que queremos. Esta encontra-se mais facilmente num brinquedo velho que nos recorda a infância, que num telemóvel novo que apenas substitui o que comprámos à 6meses. A felicidade está naquilo que nos faz sentir realizados, no que nos alegra o coração, no que nos aquece a alma, e não naquilo que coloca um sorriso na cara (ás vezes na máscara) dos outros. Todas estas máscaras deviam ter uma etiqueta, bem grande e virada para fora, de forma a conseguir-mos facilmente identificar o seu propósito, para que quando estivermos a falar com alguém, agarra-las pelos elásticos e arranca-las, para vermos com quem realmente falamos.

Devemos usar máscaras sim, mas só as de plástico e no Carnaval. As outras… as outras mais vale deixa-las no baú do esquecimento!..

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Num mundo fechado, um recanto com mente aberta! (pequena Homenagem a Cem Soldos)

No passado fim de semana (21 e 22 de Agosto), fui a um festival (Festival Bons Sons ’10), que se realiza na pitoresca e acolhedora aldeia de Cem Soldos, perto de Tomar. Um festival que só se realiza de 2 em 2 anos e que é organizado pelos locatários, na sua maioria pessoa de uma faixa etária mais elevada. Um festival que prima pela diferença e originalidade, ao ter um cartaz musical composto apenas por artistas portugueses, valorizando assim o que de bom ainda por cá se cria, e dar oportunidade a estas bandas de ficarem conhecidas, outras ainda mais conhecidas. Tendo a aldeia de Cem Soldos pouco mais de 1000 habitantes, todos eles se juntam e todos eles fazem parte da organização do evento. Mas isto é apenas uma pequena introdução para tentarem perceber o que realmente extraordinário por lá acontece e que, de certa forma de ‘abriu’ o espírito e a consciência.

Como já disse, a aldeia tem cerca de 1000 habitantes, na sua maioria mais velhos… mas apenas em idade física, porque dificilmente se encontra um local com uma mente tão aberta e tão sem qualquer tipo de preconceito! Num mundo onde vigora o racismo, o preconceito, o egoísmo, as invejas, consola-me a alma ver, e acima de tudo viver, nem que seja por 2 dias o oposto da realidade actual. É incrível e emocionante (quando se ‘perde tempo’ a pensar nisto) como é que uma coisa tão simples e bela é, ao mesmo tempo, tão difícil de encontrar no dia a dia… harmonia! Harmonia entre Homens, harmonia entre os Homens e a Natureza, Harmonia entre o Homem e as suas crenças… Harmonia no seu estado mais puro. Em cada esquina viam-se desconhecidos a partilhar o pouco que tinham, a partilhar historias, a partilharem experiências, a ouvir as pessoas locais, a brincarem uns com os outros, a entre ajudarem-se… no fundo a partilharem a sua vida, sem pensarem em julgamentos. Não é em qualquer lugar que se vê uma tão grande diversidade de gostos, crenças, etnias, conviverem em tão imensa homogeneidade. “Hippies, rastafaris, metaleiros, góticos, betos” (desculpem estas denominações, mas é apenas para dar a ideia da diversidade), novos, velhos, habitantes e não habitantes, todos vivem harmoniosamente e sem preconceitos.

Tocou-me, e em boa verdade mudou a minha forma de encarar as diferenças dos outros, até porque nesta linha de raciocínio também eu sou diferente destes, e não gostaria de ser posto de parte, ou que fizessem juízos de valor errados, apenas por esse motivo, ser diferente. Porque já diz a sabedoria popular: “não faças aos outros, aquilo que não gostarias que te fizessem a ti!”. Este festival serve perfeitamente como exemplo de cidadania, onde com tanta diferença, não existiu nenhum tipo de choque cultural, e foi sem dúvida nenhuma a abertura de ‘janelas de mentalidade’ para inúmeras pessoas.

Agradeço portanto, a todos os Cem Soldenses pela magnifica iniciativa (iniciada em 2006) e pelo extraordinário trabalho desenvolvido, pela hospitalidade com que receberam todos os visitantes, por todos os sorrisos espalhados nas caras e corações de quem nos recebeu, a nós os forasteiros! Fico a aguardar pelo próximo BONS SONS’, querendo, com certeza absoluta, ir todos os dias e se possível como voluntário e acampar, para mais uma vez poder simplesmente, saborear a vida!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Momentos...

Ainda existem momentos que nos conseguem revigorar o espírito, e fazer saber que a vida pode ser bela e simples. Ontem vivi um desses momentos!

Decidi sair precisamente ás 18h do trabalho, uma vez que o cansaço cerebral há muito se tinha apoderado de mim, e fui até ao parque das nações estender-me na relva e ler um bom livro. Estando a chegar ao local já pensado, reparei que vinda de outro lado, uma pessoa se dirigia para o mesmo local que eu. Essa pessoa vinha acompanhada por um cão (ou cadela) sem estar preso á trela, caminhando assim livremente, mas sempre junto à sua dona. Sentei-me num banco e, ela e o cão sentaram-se a cerca de 10metros de mim, na relva. E assim ficámos, eu a ler, e ela a afagar o cão e a brincarem com a relva. Passada cerca de uma hora e meia, parei de ler, e decidi apenas ficar a observar quem passava, a ponte, o rio, as nuvens, aquela jovem que se sentou ali próximo. Observei que tanto ela como o cão, olhavam em frente, perdidos nos seus pensamentos, e quase que me senti um intruso a "espreitar" o que lhes ia na mente... Foi então que ela se virou e também me olhou.. Levantando os seus óculos escuros olha-mo-nos olhos nos olhos até eu desviar o olhar.. Não sem antes reparar que os olhos dela, de um castanho intenso, brilhavam, e que ela esboçava um leve sorriso.. Foi então que me apercebi que também eu estava a sorrir. Senti que partilhei um momento especial com um estranho, um momento quase "intimista", ali no meio de tanta gente que passava... Um momento em que ninguém disse nada, mas talvez fosse assim que devesse ser... Só lhe ouvi a voz quando atendeu uma chamada e disse uma olá a quem quer que estivesse do outro lado. Levantou-se então e partiu, levando o seu companheiro a seu lado. Mas mesmo no ultimo minuto, este veio ter comigo e cheirou-me as mãos, antes de correr até perto da sua dona novamente..

Amanhã, estarei lá novamente a ler, a ver as pessoas, a ponte, o rio, as nuvens.. e no meu intimo gostaria que esta rapariga e o seu cão lá estivessem de novo, quem sabe, para desta vez até trocar algumas palavras...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A intemporalidade do Tempo...

O tempo perguntou ao tempo, quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo, que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.

Esta ‘lengalenga’ que à primeira vista pode ser um pouco confusa, encerra também uma mensagem bastante importante, e que convém reter. Que o tempo não tem tempo! Embora o tempo possa ser medido em segundos, horas, dias, anos, e esta medida seja universal, a verdade é que o tempo afecta cada um de nós de forma diferente, e sentimos a sua passagem de forma bem distinta. O que para uns é muito tempo, para outros não o é. Quem nunca teve a sensação de saber que vai de férias e que é a ultima semana, e esta parece que se arrasta vagarosamente, quase ridicularizando o nosso desejo de descanso. E depois aqueles 15 dias de férias passaram por nós tão rápido que nem damos pelo tempo. Mas a verdade é que o tempo não é diferente, e os dias tiveram as mesmas 24h. Muitas vezes, essa sensação de ‘tempo lento’ ou ‘tempo rápido’, está unicamente relacionado com a forma como nós o aproveitamos.

Quantas vezes não andamos a correr a tentar fazer tudo, e inconscientemente a ‘acelerar’ o nosso tempo, chegando ao ponto de pensarmos que já não temos tempo para nada?! Quantas vezes não estamos numa letargia tal, seja esta física ou mental, que o tempo parece estagnado e começa a pesar-nos nos ombros e sentimos aquela necessidade de fazer algo útil e proveitoso?! Quantas vezes não estamos naquele estado perfeito, em plena harmonia connosco e com tudo o que nos rodeia e temos aquela sensação magnifica que se o tempo parasse e não mais avançasse, seriamos eternamente felizes?!

Mas o tempo não pára, nem o conseguimos parar, nem por um milésimo de segundo sequer... o tempo passa por nós impiedosamente e sem nos perguntar se assim o queremos, o tempo passa por nós e vai deixando a sua marca, positiva ou negativa, consoante a mural que consigamos tirar da experiência vivida. Poderia quase arriscar a dizer que, mais do que outra coisa qualquer, o factor psicológico é o que nos faz sentir a passagem do tempo de forma tão diversificada. Um adulto que perdeu alguém querido quando ainda era um adolescente, podem passar 20 anos (que na nossa ‘medida do tempo’ já é muito tempo) e vai sempre sentir como se a perda tivesse sido ontem. Mesmo que alguém nos diga que é muito tempo a verdade é que só nós é que sabemos o que nos vai na alma.

Na época em que vivemos, na sociedade em que vivemos, é-nos cada vez mais difícil cultivar o culto de ‘tempo bem aproveitado’. O nosso dia a dia, o nosso trabalho, as nossas rotinas, tudo isto nos impele a vivermos a nossa vida a um ritmo alucinante, não conseguindo na grande maioria usufruir deste para nosso gáudio e belo prazer. O tempo passa por nós, e a cada dia que passa temos uma certeza cada vez maior: que o tempo não volta atrás e que ficamos mais velhos a todos os segundos que passam. Começamos então, inevitavelmente, a pensar que o nosso tempo neste planeta é finito e que é uma grande incógnita quando chegará esse término.

Mas e se, por um acaso qualquer, soubéssemos quanto mais tempo teríamos de vida. Iria isso afectar todo o nosso comportamento, todas as nossas decisões, toda a nossa forma de pensar, toda a nossa vida. Iríamos nós tentar experimentar tudo, ver tudo, sentir tudo, o mais rapidamente possível, mesmo sabendo que o nosso tempo só terminaria daí a muitos e muitos anos?! Iríamos nós cair numa apatia avassaladora, apenas porque sabíamos quando seria o dia do ‘juízo final’?! Ou iríamos nós continuar com a nossa vida tranquilamente, aproveitando tudo o que o tempo nos traz, aproveitar todos os momentos de uma forma mais racional, outros de uma forma mais emotiva?! Saberíamos nós gerir o nosso tempo se soubéssemos quando ele acaba?!

Talvez o que mais nos assusta com o passar do tempo é mesmo o sabermos que este acaba, e deixar coisas por fazer ou por dizer. Sinceramente pensar nisto, faz-me também repensar na forma como tenho passado a minha vida, a forma como encaro o meu futuro, cria-me de alguma maneira um receio, quase um medo, de morrer e não ter feito tudo o que devia, não ter já tempo de reparar algum erro da minha vida, nunca mais ver as pessoas que amo, e saber que deixarei por cá pessoas a sentirem falta da minha presença.

Eu sempre ouvi dizer que a nossa vida inteira nos passa diante dos olhos no segundo antes de morrermos. Mas eu quero acreditar que esse segundo não é um segundo apenas, mas que ele se expande para sempre, como um oceano de tempo. Para mim pode ser os momentos que passei a brincar com a minha cadela, para outra pessoa pode ser as gargalhadas que deu com os filhos, para ti pode ter sido aquele beijo ou abraço que nunca esqueceste. A verdade é que com tanto tempo que passamos neste planeta é difícil ficarmos chateados com alguma coisa, quando existe tanta Beleza nele. Às vezes sinto que estou a desperdiçar o meu tempo, ou que estou a gastá-lo depressa demais… mas depois lembro-me de relaxar, e de não o tentar agarrar, aprisionar, e é nessa altura que ele corre através de mim como a chuva, e eu sinto apenas gratidão por poder viver cada segundo, cada momento, cada dia, por mais estúpido que seja, da minha pequena e longa vida.